domingo, 24 de fevereiro de 2008

CANÇÃO DO EXÍLIO - Gonçalves Dias

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá


*A "Canção do exílio" é um dos poemas mais ufanistas que temos em nossa literatura. Alguns versos estão até no Hino Nacional (Do que a terra, mais garrida, / Teus risonhos, lindos campos têm mais flores; / "Nossos bosques têm mais vida", / "Nossa vida" no teu seio "mais amores." ). Esse é um poema que faz parte da primeira geração do romantismo brasileiro.

*O que foi o ROMANTISMO?

O romantismo foi um movimento cultural que teve origem na Europa e que no Brasil teve três fases / gerações: a nacionalista ou indianista, a ultra-romântica ou geração do mal-do-século e a social ou condoreira. O romantismo é definido como a arte da burguesia e pretendia sobrepujar a concepção clássica da arte. A Revolução Francesa e o surgimento dessa nova classe social fizeram parte do contexto histórico do romantismo, assim como a independência do Brasil.

*Quais as principais CARACTERÍSTICAS do romantismo?

-subjetivismo / individualismo
-sentimentalismo
-idealismo (da mulher)
-liberdade de criação
-evasão
-nacionalismo (ufanismo)
-valorização da natureza

*Quais as principais características da PRIMEIRA GERAÇÃO da poesia romântica?

-Nacionalismo (necessidade de criar uma identidade brasileira)
-Indianismo (mito do bom selvagem, índio adaptado ao medievalismo europeu)

*O que é UFANISMO?

É o orgulho, o enaltecimento da pátria.

*No poema, onde é LÁ e AQUI?

"Lá" é o Brasil, "aqui" é o exílio, ou seja, Portugal.

AS MENINAS DA GARE - Oswald de Andrade

Eram três ou quatro moças
bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha



*Irônico, irreverente e parodiador, Oswald de Andrade recriou poeticamente em "As meninas da gare" um trecho da carta de Pero Vaz Caminha a Dom Manuel. As palavras da carta e do poema são praticamente as mesmas mas o sentido é diferente. Caminha fala da inocência das índias, tanta inocência que elas tinham que de olhar as suas vergonhas, ele não sentia vergonha. Já o poeta, ao dar um títudo (As meninas da gare), muda a semântica: gare, em francês, significa estação de estrada de ferro, ou seja, eram as prostitutas e justamente por serem prostitutas, não sentia vergonha de muito bem olhar suas vergonhas.

EU NÃO EXISTO SEM VOCÊ - Tom Jobim e Vinícius de Moraes

Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Qua nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos me encaminham pra você

Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você

EU TE AMO - Chico Buarque e Tom Jobim

Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir

Se, ao te conhecer dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que ainda posso ir

Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir

Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu

Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu

Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios inda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair

Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir

NÃO HÁ VAGAS - Ferreira Gullar

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.

Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos:
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de
aço e carvão
nas oficinas escuras

-porque o poema, senhores,
está fechado:
"não há vagas"

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira



*Ferreira Gullar tem como temáticas a denúncia social e a miséria, teve destaque no engajamento político na década de 60, tendo escrito o poema "Não há vagas" em 1963.

O QUERERES - Caetano Veloso

Onde queres revólver sou coqueiro,
onde queres dinheiro sou paixão
Onde queres descanso sou desejo,
e onde sou só desejo queres não
E onde não queres nada, nada falta,
e onde voas bem alta eu sou o chão
E onde pisas no chão minha alma salta,
e ganha liberdade na amplidão

Onde queres família sou maluco,
e onde queres romântico, burguês
Onde queres leblon sou pernambuco,
e onde queres eunuco, garanhão
E onde queres o sim e o não, talvez,
onde vês eu não vislumbro razão
Onde queres o lobo eu sou o irmão,
e onde queres cowboy eu sou chinês

Ah, bruta flor do querer,
ah, bruta flor,
bruta flor

Onde queres o ato eu sou o espírito,
e onde queres ternura eu sou tesão
Onde queres o livre decassílabo,
e onde buscas o anjo eu sou mulher
Onde queres prazer sou o que dói,
e onde queres tortura, mansidão
Onde queres o lar, revolução,
e onde queres bandido eu sou o herói

Eu queria querer-te e amar o amor,
construírmos dulcíssima prisão
E encontrar a mais justa adequação, tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés,
e vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero e não queres como sou,
não te quero e não queres como és

Onde queres comício, flipper vídeo,
e onde queres romance, rock'nroll
Onde queres a lua eu sou o sol,
onde a pura natura, o inseticídeo
E onde queres mistério eu sou a luz,
onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro,
e onde queres coqueiro eu sou obus

O quereres e o estares sempre a fim
do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal,
a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal, e eu querendo querer-te sem ter fim
E querendo te aprender o total do querer que há e do que não há em mim

MOTIVO - Cecília Meireles


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou se desfaço,
- Não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.